quinta-feira, 31 de março de 2011

♣♣♣ Ao Príncipe com Coragem ♣♣♣

♣♣♣♣♣ A imponência solene e medieval, também fria e inerte, daquele elísio nosso, que outrora  fora uma garbosa fortaleza pétrea, ornada com as mesmas bandeiras, a mesma tapeçaria, nunca parecera tão lúgubre e tumular quanto naquela gélida noite, que apesar de tensa, afinal, trouxe paz para os nossos “espíritos” ─ Se assim posso definir a alma condenada. É estranho, mas sempre achei aquele lugar lindo, e não me desagradava comparecer vez por outra, para destilar elogios ao nosso protetor. Contudo, naquela noite, foi diferente... Aquela colossal... igreja (?) ─ ou o que quer que tenha sido no passado ─ parecia mais uma catacumba onde jazeríamos pela eternidade. Mas era tudo por conta da nossa tensão.
♣♣♣♣♣ Ah, Shaila, que situação! Mas, felizmente, deu tudo certo. (!) Ah, sim, é claro! Vou contar agora mesmo, mas me deixa antes dar mais um gole... (!) Hum... Ahhh...
♣♣♣♣♣ “Entramos juntos pelo pórtico do salão principal, andando a passos firmes. Mas nossas certezas não eram certezas, e apenas os nossos passos eram firmes. Finjir. Atuar. Representar! Isso fazemos bem, convenhamos.
♣♣♣♣♣ “Ele estava lindo. O meu Olexei... Vestia preto. Ele, que sempre gostara de cores claras. Mas seu olhar à frente, encarando as víboras com seriedade (e até certo desdém), deixavam-me orgulhosa. Seu cabelo lindo, negro e liso, parecia betume, refletindo o enorme lustre de cristal roubado de algum outro lugar da Europa. Sua pele rosada (herança minha!) causando paixões e inveja nas duas faixas de infames bajuladores, aglomerados nos dois lados do salão. Quisera eu ter outra entrada triunfal como aquela. Não! Nunca! Senti tanto medo... Por mim e por ele.
♣♣♣♣♣ “─ Oksana! ─ Disse o príncipe. ─ Cara filha minha... Vieste para desafiar-me? Ou para reparar teu erro, entregando-te, e a tua cria, para que vos seja dada a devida punição diante da corte?
♣♣♣♣♣ “─ Eis-me aqui, Ianko... meu senhor! E eis aqui o motivo de minha ‘traição’ ─ Disse eu, temerosa, respeitosamente. ─ Dai a mim, senhor, a punição devida! Imploro que o faça, pois desrespeitei, ainda que por impulso, a Terceira Tradição. Não tenhais piedade de mim, Maestro, pois tudo o que ensinei a ele, eu mesma violei. Puni-me! Contudo... <Pausa>.
♣♣♣♣♣ “Ele olhou-nos, perscrutador, entre desconfiado e incrédulo...
♣♣♣♣♣ “─ Contudo...? ─ Indagou-me, furioso.
♣♣♣♣♣ “─ Contudo, senhor, eu tenho um pedido a fazer. Se assim permitis, o farei.
♣♣♣♣♣ “E, sob os protestos daqueles que adoram caçadas sanguinárias, daqueles que nunca conheceram o verdadeiro significado de piedade e bondade, muitos já extasiados com a esperança das decapitações, ele (o príncipe) fez um gesto de rosto, que apesar de bravio, dizia-me para continuar. Olexei, firme e calado, encarava a todos, até mesmo o altivo Ianko, sempre sereno e impassível, como se nada esperasse.
♣♣♣♣♣ “─ Mestre... ─ Continuei, após quase perder-me a admirar meu garoto. ─ Senhor... Eu peço que poupe meu menino! <Novos rumores exaltados>.
♣♣♣♣♣ “Após um longo silêncio, em que Ianko espreitava seus partidários e inimigos, profundamente dividido entre o dever de príncipe e a paixão, aquela sua secreta e latente admiração por mim...” (é, querida! Isso mesmo!) “Bem, ele fraquejou. Por instantes, Ianko pensou. E, finalmente, finjindo tão bem uma carranca, despejou:
♣♣♣♣♣ “─ Criança... ─ Referindo-se a mim. ─ Por que eu deveria poupar um dos dois?! Qual lei me permitiria isso? Que bem isso faria à coletividade?
♣♣♣♣♣ “─Senhor, ─ Retornei. ─ Permiti que eu ao menos tenha a oportunidade de vos apresentar meu protegido... Fazei isso como um último favor a esta vossa serva de outrora; como um seu último desejo. Eu suplico: daí-nos esta dádiva. Ao menos, ouvi de sua boca ─ (apontando Olexei) ─ o que lhe ensinei. Eu o preparei para tudo, como de praxe: lhe ensinei sobre as Seis Tradições, sobre a ‘vida’ em sociedade, sobre como sobreviver em nosso meio... Ele está preparado. Vede:
♣♣♣♣♣ “Então, Olexei, altivo e firme, como quem não via ninguém à sua frente, recitou as Tradições, sob o olhar acusador de Ianko. E Ianko o viu finalmente. Perdeu-se na coragem e na serenidade do rapaz diante da morte final. O burburinho foi geral.”
♣♣♣♣♣ Ah, Shaila, garota! Que menino sem igual! Talvez por isso eu o tenha deixado. Talvez por isso eu tenha fugido dele nestes últimos dez anos. Eu morreria de tanto admirá-lo. Eu morreria, Shaila!
♣♣♣♣♣ “Sim! Continuando... Apresentei, finalmente, Olexei à corte inteira. Ianko assim me permitiu, não sem comprometer sua autoridade diante de algumas Harpias.
♣♣♣♣♣ “─ A vós, ó príncipe, apresento hoje minha progênie. Por favor, imploro o silêncio a meus confrades, e a atenção dos excelentíssimos anciões presentes.
♣♣♣♣♣ “─ Este é Olexei Kurilenko, nascido e criado aqui mesmo em Vinnitsya, embora não se saiba exatamente o local. Ele fora deixado ainda bebê num mosteiro, onde uma freira, dias depois, o entregou a uma viajante que passava. Esta viajante era uma trapezista e circo. O ano era 1974, mas o dia e o mês são até hoje desconhecidos. No circo, Olexei cresceu e aprendeu os ofícios inerentes aos seus novos familiares. Trapézio, cordas, seda, mágica e facas, tudo isso faz parte de seu mundo. Até mesmo o árduo trabalho de montagem e transporte ele fazia. Dizem que Alina, a mulher que o criou, mesmo sendo muito bonita e admirada, tinha sérios problemas com o álcool. Dizem que era uma pervertida, lasciva, e que ensinara a Alexei (como o chamam no ocidente) os mistéros do sexo.
♣♣♣♣♣ “Um dia, esta mulher o abandonou, entregando-o à sua tia. Esta, também depravada, explorava o menino tanto no talento circense, como nos outros talentos. Ela o agenciava nas cidades por onde passavam, para as mulheres que procuravam o sexo extra-conjugal. Ela fazia isso com todos os rapazes bonitos do circo. E foi assim que eu conheci Alexei. Como sua cliente.
♣♣♣♣♣ “Eu estava em Kiev, em abril de 1996, em uma passagem que deveria ser apenas a ponte aérea para a Romênia, onde eu desfilaria para uma estilista local. Foi quando o vi pela primeira vez. Eu teria alguns dias de espera, graças às picuinhas bobas do rebanho, que dizem ser arquitetadas por nós ─ Imagina!
♣♣♣♣♣ “Eu estava em uma conhecida casa de bebidas, quando a tal mulher, que dizia se chamar Irina, percebeu que eu fitava o belo rapaz. A noite estava no início... Ela se aproximou, tocou no assunto, e nem acreditei! Acertamos o preço, e logo eu estava num piung ajeitadinho, com aquele lindo jovem calado e seguro de si.
♣♣♣♣♣ “Embora não sentisse os mesmos prazeres de outrora, alegrei-me de tê-lo. Fantasiei sugá-lo, mas me contive. Entretanto, eu estava condenada... Após aquela noite, houve outra. E outra... Apaixonei-me por ele, e, para desespero da tal Irina, levei-o para a Romênia. Ao voltarmos para Vinnitsya, em dezessete de abril, eu o beijei... e o abracei.
♣♣♣♣♣ “─ Foi mais forte que eu. Só então, percebi a ‘gafe’, nobre príncipe. ─ Disse, decidida. ─ só então percebi o que não lembrara... ─ Joguei com o charme.
♣♣♣♣♣ “─ Por isso, senhor, declaro-me culpada! ─ (Chorando) ─ Culpada de violar a Terceira Tradição. Condenai-me! Mas perdoai a cria que nada fez de errado. Perdoai o inocente que vos servirá melhor que muitos aqui presentes. <Gritos e impropérios>.
♣♣♣♣♣ “─ Deixa de ‘coisinhas’, blefadora venenosa ─ Disse o príncipe, com olhos profundos como se quisesse chorar. ─ Todos temos obrigações! ─ (E olhou em volta).”
♣♣♣♣♣ A nossa sorte, Shaila, foi que dois ou três anciões engoliram! Nós miramos o príncipe (e acertamos), mas atingimos também poderosos alvos.
♣♣♣♣♣ “Chorando, ajoelhei-me diante de Ianko, e implorei pelo garoto. Argumentei, defendi, confabulei... E pedi que me condenassem, e apenas eu, à pena imposta aos dois. Isso, mais o olhar idômito de Olexei, calaram fundo na alma do príncipe. E colheu aliados momentâneos para o casal.
♣♣♣♣♣ “De repente, sem que eu esperasse, Olexei falou. Primeiro, pegou minha mão, e segurou-a firme. Em seguida, abriu a boca, calando todas as demais:
♣♣♣♣♣ “─ “A ti, ó príncipe, apresento-me hoje. Sou Olexei Kurilenko, artista circense, amante enterno de Oksana, senhor de meu destino. Sou circense, sou livre, soy gitano! Andei por muitos lugares, por esta velha e viciada Europa. Estive até na América, viajando por cidades de Países como Brasil, Uruguay e Chile. Isso, lógico, quando respirava. Aprendi um pouco de vários idiomas: além do ucraniano, falo romani, inglês, e um pouco de francês e Português. Só um pouco de cada. Como bom andarilho, guardo minhas poucas riquezas pessoais em forma de algumas jóias e alguns imóveis de baixo valor. Mas não sou um ignorante completo: gosto de pintura, barroca e clássica; gosto da poesia medieval, da barroca portuguesa e da renascentista. Sempre adorei filmes de Kung Fu. E sempre que pude, matriculei-me em academias, mas nunca continuadamente. Gosto muito das histórias de Samurais. Tenho adoração pelas espadas japonesas e, embora eu não domine ainda a técnica, não abro mão de minha coleção. Amo Literatura e as Artes em geral. A Dança... Alina queria que eu fosse bailarino... A Música... toco violino medianamente bem. Mas minha paixão é o circo. Lá, eu conheci uma moça, uma partner, quando ambos tínhamos dezesseis anos. Ela também foi ‘abraçada’ por um de nós, só que por uma das chamadas ‘Bestas’, e sumiu no mundo com ela. Por isso, nunca me importei em emprestar às damas ricas o amor que não encontravam em casa. Até que um dia conheci Oksana.” ─ (E, nesse momento, Olexei me fitou nos olhos).
♣♣♣♣♣ “─ Príncipe, vê agora o que é o amor verdadeiro: se decidires executar alguém, executai a nós dois ─ (e ajoelhou-se também). ─ Não sou páreo para lutar com toda a ‘Camarilla’ aqui presente, mas o faria por ela. Entretanto, se garantires que morramos juntos, aqui estamos!
♣♣♣♣♣ O que aconteceu depois? Ah! Te conto outra hora, Shaila. Agora preciso ir... Tenho cabeleireiro marcado.
♣♣♣♣♣ É! Verdade... Não o vejo desde 2002. Meu Alexei... Com seu corpo esguio de bailarino, seu olhar profundo de meu dono... Seus cabelos negros como o betume, luminosos como o oceano, caindo nos olhos... E sua serenidade de anjo, e coragem de guerreiro. Meu malandro, meu filho, meu Gitano.
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(Quarta-feira, 30 de março de 2011. 23:12.)

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Sobre as Relações entre Mestre e Aprendiz
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♣♣♣♣♣ Gabriel Evangelista Dinis Duarte, nascido em Coimbra, lá por 1696, vive hoje em Laguna, SC. Mas ele viaja muito para a Europa, onde tem esperanças de encontrar Monique, sua paixão. Lá, em 1994, durante os Jogos Olímpicos de Inverno de Lillehammer, na Noruega, Gabriel conheceu o jovem Olexei, ainda humano, em um circo nos arredores da cidade. O destino os fez bateren-se de frente.
♣♣♣♣♣ Numa noite, o galante português andava por uma ruela melancólica, quando esbarrou num jovenzinho de uns 19 anos, que corria apressado. Ao se desculparem mutuamente, Gabriel o reconhece do espetáculo na noite anterior. “Você é o trapezista de ontem?!”. O rapaz confirmou, e agradeceu o reconhecimento. Então, com seu poder persuasivo, o Ancillae ouve o problema do menino. Ele precisava encontrar a namorada, que andava estranha, e em companhia de um tipo muito suspeito.
♣♣♣♣♣ Andando juntos, Olexei avista sua amada. Ela estava realmente com aquele mesmo tipo de antes. Gabriel, que reconheceu “algo errado”, impediu que o novo amigo se aproximasse. Mas logo este gritou para ela, o que despertou o interesse e a fúria do “outro”. O sujeito aproximou-se dos dois, com uma mão que mais parecia algo saído do inferno, algo como garras!, e parecia bravo. Gabriel, com calma e serenidade, postou-se no caminho, abrindo o casaco. Uma linda cataná, ornada em seda e ouro, surgiu sob o capote, ainda embainhada. O possível agressor recuou, e fugiu, seguido da namorada do pobre rapaz, que ficara encantado com a arma do protetor, mas destroçado na alma.
♣♣♣♣♣ Desta noite em diante, Olexei era o novo passatempo de Gabriel, que ama ‘ensinar’. Ele o abraçaria, e esperava o momento certo. Mas, esperou demais... Acabou tendo seu brinquedo roubado por uma amiga.

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BB
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 (Quarta-feira, 30 de março de 2011. 23:12.)