sábado, 5 de fevereiro de 2011

♠♠♠ Encontro Nunca Marcado ♠♠♠

********************************************** “Quando encontramos nossos maiores medos é
**************************************************** que reencontramos a nossa natureza.”
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♠♠♠♠♠ Amada Amanda... Que noite a de ontem! Tu não imagina...
♠♠♠♠♠ Eu nunca imaginaria passar por uma situação sequer parecida!
♠♠♠♠♠ Senta! Vou te contar com detalhes o que aconteceu. Do que estou rindo?! Pergunta ‘por quê’ estou rindo! É por satisfação de estar ‘vivo’ <gesto de “aspas” com os dedos>! Da situação mais absurda na qual eu poderia me envolver, me saí bem, pra contar à posteridade. Não te preocupa! O teu Gabriel tá bem, tá inteiro, tá aqui contigo... Sirva-se de mais ‘vinho’! E saboreia...
♠♠♠♠♠ Escuta esta história, e diz se alguém acreditará!
♠♠♠♠♠ “Eu saí da boate logo que tu chegou ― eram vinte ou vinte e uma horas ― por aí. Lembra que eu falei que precisava encontrar um investidor no subúrbio? Pois bem: lá fui. E levei o Nicodemos. Passei na outra boate e o peguei. Afinal, apesar da minha experiência (e das armas!), não vou facilitar... Não é uma questão de coragem... É uma questão de precaução!
♠♠♠♠♠ “Encontramos o tal investidor, um sujeito difícil e desconfiado. Seu nome é Kirshner, ou assim o entendi. Percebi que é um sujeito centrado, e muito experiente com este tipo de negócio... Apesar de ser judeu (?!) Bom, aquele ali, pelo que percebi, tem o dinheiro por seita. Contudo, duvido que ele deixe a filha freqüentar o seu ‘novo investimento’!
♠♠♠♠♠ “No início, quando chegamos a um ‘Pub’, que tem também um restaurante, num prédio discreto e afastado da avenida, já encontramos o senhor Kirshner à nossa espera, sentado, com um jornal nas mãos, servindo-se de petiscos e de vinho de mesa. A seu lado, um outro senhor, que ele apresentou como seu advogado, o Doutor Maciel. Ambos aparentam ser bem mais velhos do que nós, e isso me pareceu não inspirar muita confiança deles para conosco. Seus olhares de desdém e dúvida faziam-me sentir incomodado.” ― Afinal, gosto de aparentar vinte e um anos, o que tem de mais?!
♠♠♠♠♠ “Após as apresentações, e após uma breve referência ao assunto que nos levou até ali, os cavalheiros fizeram seus pedidos: peixe grelhado e vinho do Porto. Nicodemos e eu pedimos o mesmo. Aí, nos entreolhamos, e cada qual lamentava o fato de eu não poder desfrutar tal agrado... Quando os pratos chegaram, o sofrimento foi maior: a aparência do peixe, sua disposição no prato, seu cheiro, tudo concorria para despertar minha nostalgia. Nicodemos nem ligou, mas eu senti e demonstrei muita saudade, apesar do tempo já passado... Então, para evitar perguntas inconvenientes, dissimulei um pouco, fazendo cortes nos filés e desconversando. Nem foi preciso. Os dois homens, de físico avantajado, estavam tão absortos com o repasto, que sequer olharam para nosso lado da mesa. Foi até fácil, pois Nicodemos chamou o garçom discretamente, e pagou-lhe uma boa gorjeta para que levasse sorrateiramente a minha comida num recipiente até uns moradores de rua (outros membros da família também costumam freqüentar ali, e aquele garçom nunca faz perguntas). Tudo foi feito com uma naturalidade e uma maestria sobrenatural, que os convidados nem repararam. Dois pratos, agora vazios, descansavam sobre a mesa. Os outros dois estavam bem ocupados.
♠♠♠♠♠ “Então, tive um estalo! Vi, a poucos metros de mim, um piano. O ambiente estava sem música, o que não era natural naquele lugar, segundo o advogado, o tal senhor Maciel, que disse ter comido ali três ou quatro vezes ouvindo música ‘ao vivo’. Com discrição, perguntei ao garçom se poderia... Logo, eu estava sentado junto ao instrumento, tocando o ‘Nocturne em Mi maior, opus nove, número dois,’ de Chopin. Quando acabei, os aplausos vieram até do lado de fora... E os nossos novos sócios, que pararam de comer para ouvir, hoje confiam em mim a ponto de me darem suas senhas de banco” ― Se o Príncipe soubesse o que é música de verdade, e do que ela é capaz, ele nunca me acusaria de ‘violar a máscara’; ele reconheceria que minha elegância e meu talento apenas a reforçam.
♠♠♠♠♠ Ah, Amanda! Tu sabe que quando toco, penso em ti... Isso! Sorria, minha linda criança! Assim... Deita aqui. Deixa eu contar o resto, porque até agora, tudo foi dentro do esperado. O que tu ainda não sabe, e que vai te deixar pasmada, vem a seguir...
♠♠♠♠♠ “Conversamos e concordamos os termos do investimento que fariam em uma de minhas casas noturnas...” ― E eu te trouxe um esboço do contrato, para que tu aprove, ou não! ― “e após isto, nos despedimos cordialmente. Os sujeitos eram só sorrisos! Agora, tudo era diferente. Se, no início, me acharam um garoto bobo, um filhinho de papai <riso triunfal>... Após a nossa conversa, e após ouvirem-me tocar, perceberam que sou bem mais que isso. O advogado ainda tentou dar uma de esperto, perguntando com propriedade:
♠♠♠♠♠ “― Aprendeu a tocar com quem? Com Mozart?! ― e sorriu convencido...
♠♠♠♠♠ “― Ele tocou Chopin, Doutor! ― Riu o cliente, discretamente.
♠♠♠♠♠ “‘Chopin... Tive o prazer de conhecê-lo. Mas não o de ser seu aluno’, pensei. E respondi rindo:
♠♠♠♠♠ “― Como o senhor sabe que aprendi com Mozart?! ― E ri mais ainda.”
♠♠♠♠♠ Pensaram que eu estava brincando apenas para tirar o advogado do sufoco. E, de quebra, ainda, eu disse a verdade! Dois alvos, um disparo...
♠♠♠♠♠ Bom, meu amor... Agora vem a parte inacreditável.
♠♠♠♠♠ “Quando saímos do lugar, eu estava prestes a vivenciar algo inimaginável; algo inesperado; algo assustador...
♠♠♠♠♠ “Pedi a Nicodemos que voltasse para a Ma Monique, para ver se tu não precisava de nada. Eu disse-lhe que gostaria de caminhar e aproveitar a noite. Ele, estranhando, retornou pela avenida principal com a ‘Cherokee’, enquanto eu caminhei pela rua à frente do Pub. Há ali umas fábricas abandonadas, uns prédios enormes e silenciosos, e esse não é um bom lugar para passear. Contudo, a noite estava tão agradável... E eu senti algo, uma espécie de chamado, como se alguma coisa me atraísse para aquele local. Caminhei a esmo, observando as nuances da noite enluarada, e o balançar das árvores das calçadas tocadas pelo vento. Entrei por rua estreita, que leva a uma bifurcação. Segui a rua da esquerda, que me levaria para a avenida, mas esta apresentava um caminho estreito entre dois prédios grandes, com três andares cada. Há várias caixas de entulho sobre aquela ruela de paralelepípedos, e bem no meio da rua, o que obrigou-me a passar bem junto às paredes. E ali eu tive uma surpresa...
♠♠♠♠♠ “No meio do caminho, há um vão parecido com um beco, no prédio da esquerda. Passei por ele sem preocupações, mas algo me chamou a atenção, fazendo-me voltar. Ouvi um gemido, um quase lamento, e isto parecia vir de um ser humano. Voltei um pouco, e espiei para dentro do beco. Nada vi. Devagar e com cuidado, fui esgueirando-me sorrateiramente para ver o que havia ali. Nossa! Foi uma surpresa: havia ali um rapaz semi-nu, descalço, preso à parede por fortes grilhões em pesadas correntes. Ele estava preso pelos pulsos e pelos tornozelos. Havia ainda um grilhão no pescoço do sujeito! Fiquei pasmado... Fiquei pensando de que clã, de que família ele seria... Imaginei o crime que ele teria cometido para estar assim... Se teria sido capturado por um caçador de recompensas... Ou se era apenas uma isca!
♠♠♠♠♠ “Logo que me viu, ele gritou insanamente:
♠♠♠♠♠ “― Vá embora! Saia daqui! Se não deseja morrer... Vá!
♠♠♠♠♠ “― Calma, amigo. Eu sei me cuidar. Quem te pôs aí?!
♠♠♠♠♠ “Ao me aproximar mais, ele pareceu haver percebido algo que lhe escapara do senso, quando tentava me alertar. Ele pareceu cheirar ― muito discretamente ― o ar, e então percebeu minha natureza. Eu, por minha vez, pressenti, com cada célula da alma, com o cheiro, com os sons, a encrenca em que estava me metendo. Ele começou, então, a gritar coisas diferentes, mas esperadas:
♠♠♠♠♠ “― Maldito desgraçado! Sai daqui, sanguessuga amaldiçoado! Vocês querem atrair nossos irmãos para drená-los? Acho que não são tão estúpidos a ponto de achar que podem... O quê faz por perto e sem reforços?! Eu estou acorrentado, mas posso te despedaçar! O que fará quando meus irmãos chegarem?
♠♠♠♠♠ “Instintivamente, olhei ao redor. Por enquanto, nada. Aquele rapaz era um pobre filho de Gaia, um ‘licantropo’, um lobisomem. E, pelo que entendi, ele fora posto ali por um membro, por um cainita, para atrair outros lobisomens, talvez numa manobra para destruí-los; ou subjugá-los à vontade de alguém...
♠♠♠♠♠ “Eu nunca odiei estes irmãos” ― Tu bem sabe! ― “Apenas os temo. Não desejo encontrar nenhum, mas aquele ali me agradecerá mais tarde...
♠♠♠♠♠ “Aproximei-me mais, e disse isso:
♠♠♠♠♠ “― Calma, irmão! Eu vou abrir esses grilhões.
♠♠♠♠♠ “― Fica longe de mim, abominação! Tu é idiota por ainda estar aqui... Se ama a tua carcaça, seu cadáver sujo, desaparece!
♠♠♠♠♠ “― Calma, irmão... Nossa! Tem prata... As correntes foram banhadas em prata! Me diz: quem te pôs aqui?!
♠♠♠♠♠ “― E tu não sabe?! Quem mais pode saber?! Teu mestre, teu irmão, teu servo... Vocês são uma coisa só!
♠♠♠♠♠ “― Não vou discutir... Agora, fica parado, pra eu tentar abrir isto...
♠♠♠♠♠ “Então, enquanto eu pensava na melhor maneira de abrir aqueles grilhões, uma lua linda e cheia revelou-se no céu. Até ali estivera encoberta. Mas naquela hora, eu comecei a temer...
♠♠♠♠♠ “Eu não sei se foi o luar, ou a vontade dele... O fato e que o prisioneiro começou a arfar... a gritar... a uivar... E, em menos de dois minutos, seu corpo ganhou proporções gigantescas, de feições animais, com uma fúria fenomenal. Parecia a pintura de uma cena dantesca, saída do próprio inferno criado pelo florentino.
♠♠♠♠♠ “Eu fiquei paralisado, sem reação... A criatura crescia, e fazia um estrondo absurdo com aquelas correntes. Mas o medo, o terror, deram novamente lugar à piedade. À medida que o licantropo aumentava de volume, os grilhões que o prendiam estrangulavam-lhe os pulsos, os tornozelos e o pescoço. Qualquer pessoa fugiria... Qualquer cainita também, embora mais satisfeito. Mas eu não! O pobre lobo uivava, chamando seus irmãos. Mas quem o teria posto ali para atrair os demais? É claro que esse alguém era burro: lobisomens não caem nessas armadilhas ― eles descobrem outro jeito de agir!
♠♠♠♠♠ “Diante de mim, a menos de cinco metros, um gigante metade animal, metade homem, agonizando, soltava sua fúria em golpes inúteis que apenas lhe feriam os membros. Bom, a coluna em que as correntes estavam presas começou a rachar, mas levaria a noite toda... Além do que, o revestimento de prata das correntes e dos grilhões o feriam muito. Percebi o olhar triste do animal voltado para o enorme prédio de concreto e aço. No seu desespero, ele até me deu as costas, esquecendo-se de mim, enquanto tentava se libertar... Sem mais o que fazer, comecei a divagar:
♠♠♠♠♠ “― Eu sei! Este mundo também não é o meu! Eu também não gosto destas cidades. Prefiro mil vezes o campo.
♠♠♠♠♠ “O animal rosnava e babava, e parecia querer me destroçar.
♠♠♠♠♠ “― Fica calmo, amigo... Assim que tu se acalmar, eu vou te libertar. Se alguém aparecer, não deixarei que te façam mal.
♠♠♠♠♠ “A criatura, ainda muito enfurecida, me encarou desafiadora. E eu respondi:
♠♠♠♠♠ “― É! Eu sou um anjo... puro e santo! ― E sorri.
♠♠♠♠♠ “Após uma eternidade, o animal começou a se acalmar. Não sei se foi porque nuvens encobriram a lua (superstição?), ou se foi porque a adrenalina do lobo baixou, o fato é que ele voltou à forma humana, com o que sobrou da bermuda já em farrapos. Então, eu tentei convencê-lo:
♠♠♠♠♠ “― Amigo, eu quero te tirar daí.
♠♠♠♠♠ “― A troco de quê?! De algum serviço?! Da minha alma? Quantos dos meus quer que eu te entregue? ― Falou irônico.
♠♠♠♠♠ “Aproximei-me devagar, e, com o alfinete de um broche de rosa, que uso na manga da camisa como abotoadura, abri o primeiro grilhão. Foi o do pescoço, e este estava bem machucado. Afastei-me um pouco, avaliei a reação do sujeito... e retomei o trabalho, abrindo os demais, começando pelos pés. Ao abrir o último, da mão direita, ouvi ele falar:
♠♠♠♠♠ “― Eu não sei o que tu pretende... mas é bom fugir!
♠♠♠♠♠ “Liberto o prisioneiro, usei minha rapidez sobrenatural para escalar o poste da luminária pública. A oito metros do chão, seguro e confortavelmente sentado, avaliei o comportamento do ex cativo. Eu era como um gato escapando de um cão feroz. Ele sequer viu minhas espadas sob o meu sobretudo, e evitei mostrá-las, para não irritá-lo mais. Logo que escalei o poste e me vi em segurança, ele perguntou:
♠♠♠♠♠ “― Que tipo de jogo vocês estão fazendo?
♠♠♠♠♠ “― Não fique aqui para saber! Vá! ― Respondi.
♠♠♠♠♠ “― Boa sorte com o novo inimigo... ― Disse ele, já saindo dali. ― Tu acabou de deixar alguém muito furioso.”
♠♠♠♠♠ É! Nisso ele tinha razão. Alguém está fulo comigo. Mas, não havia ninguém ali, além de nós... Isso eu garanto! Por isso, eu nunca estive ali...
♠♠♠♠♠ Amanda... Meu doce! Deita a cabecinha aqui. Assim... Aconchega aqui, minha criança... Ainda bem que ainda tenho coração! E não me arrependo. Essas mostras de santidade, de pureza, de angelitude, isso me revigora! Isso me sustenta! Esse é o meu fraco... Essa é a minha força! A nossa força, minha amada...
♠♠♠♠♠ O que achou desta história?! Ninguém acreditaria, não é?!
♠♠♠♠♠ Acredita? Muito obrigado, meu anjo! Se não fosse por ti...
♠♠♠♠♠ O que tu faria no meu lugar? ... Hum?
♠♠♠♠♠ O mesmo!? É?!
♠♠♠♠♠ ‘Je te aime, monamour’!
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************************************ (Sábado, 5 de fevereiro de 2011. 03:45.)

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